31 março 2007

Migrações


(Sebastião Salgado)

Classe Média (Max Gonzaga)

Sou classe média
Papagaio de todo telejornal
Eu acredito
Na imparcialidade da revista semanal
Sou classe média
Compro roupa e gasolina no cartão
Odeio “coletivos”
E vou de carro que comprei a prestação
Só pago impostos
Estou sempre no limite do meu cheque especial
Eu viajo pouco, no máximo um pacote cvc tri-anual
Mais eu “to nem ai”
Se o traficante é quem manda na favela
Eu não “to nem aqui”
Se morre gente ou tem enchente em itaquera
Eu quero é que se exploda a periferia toda
Mas fico indignado com estado quando sou incomodado
Pelo pedinte esfomeado que me estende a mão
O pára-brisa ensaboado
É camelo, biju com bala
E as peripécias do artista malabarista do farol
Mas se o assalto é em moema
O assassinato é no “jardins”
A filha do executivo é estuprada até o fim
Ai a mídia manifesta a sua opinião regressa
De implantar pena de morte, ou reduzir a idade penal
E eu que sou bem informado concordo e faço passeata
Enquanto aumenta a audiência e a tiragem do jornal
Porque eu não “to nem ai”
Se o traficante é quem manda na favela
Eu não “to nem aqui”
Se morre gente ou tem enchente em itaquera
Eu quero é que se exploda a periferia toda
Toda tragédia só me importa quando bate em minha porta
Porque é mais fácil condenar quem já cumpre pena de vida.
(clique AQUI para ver e ouvir)

Homenagem ao Mestre Kléber, companheiro de vida estudantil. Mesmo com suas piadas hilárias, exemplo de honradez e luta!!!

Atraso corporativo

Editorial da Folha de São Paulo de 30/03/2007

Foi com justiça que o Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo (Coren-SP) insurgiu-se quando os médicos procuravam, através do projeto de lei de regulamentação do ato médico, criar a golpes legislativos uma espécie de reserva de mercado para a categoria.
Agora, quando os enfermeiros teriam a ocasião de demonstrar de fato quanto prezam a até há pouco defendida filosofia da interdisciplinaridade em benefício do paciente, dão mostras de um corporativismo que em nada deixa a dever ao dos médicos. Pior, tomaram medidas que tiveram o efeito prático de piorar a prestação dos serviços de saúde na rede pública de São Paulo.
Só o desejo de gerar empregos para o topo da categoria é que explica a atitude do Conselho de exigir, pelo instrumento da resolução, que enfermeiros com curso superior estejam presentes em todos os procedimentos para a retirada de córneas, que vinham sendo realizados por técnicos em enfermagem -também vinculados ao Coren.
Córneas não são vascularizadas, o que torna sua captação bastante fácil. Enquanto um rim ou um fígado precisam ser retirados com o coração do doador cadavérico ainda pulsando, córneas podem ser extraídas até seis horas após o óbito por um único profissional devidamente treinado -o que simplifica e barateia os transplantes.
A decisão do Coren, entretanto, levou o Banco de Olhos de Sorocaba, responsável por 100% dos transplantes no Estado, a paralisar suas atividades no dia 24 de fevereiro. A instituição diz que, para atender à resolução, precisaria contratar 60 enfermeiros, o que triplicaria seus custos.
Nesse meio tempo, os transplantes de córneas no Estado -serviço que funcionava relativamente bem- caíram brutalmente. Em fevereiro haviam sido 434 cirurgias. Em março, foram pouco mais de 200.
Mais uma vez, razões corporativas conspiram contra o interesse público. Não é a primeira nem será, infelizmente, a última vez.

30 março 2007

Tentando entender a movimentação “popular”

A manifestação pela paz realizada em São Sebastião do Paraíso na manhã desta sexta-feira, que participei de modo tímido, não deixa de ter o seu valor. Qualquer movimento de união na tentativa de combater a violência e suas causas – tráfico de drogas, falta de policiamento, falta de planejamento familiar, poucas ações voltadas aos jovens – tem o seu mérito na medida em que pode trazer mais luz sobre assunto tão complexo. Porém, deve-se atentar para os reais fatos da passeata, pois ficou evidenciada para os participantes da manifestação a lavagem de mãos da política municipal, culpando somente o Estado pela atual situação.

Quando a sociedade se organiza a fim de buscar direitos adquiridos, o progresso na detecção e solução dos problemas agiliza-se, pois a pressão popular é ainda um dos meios mais eficazes para a mudança de uma situação em uma democracia. A partir disso, a “Manifestação pela Paz e Segurança” conseguiu chamar a atenção das autoridades competentes, mostrando que a população está cansada de ações ineficazes de combate à violência. A presença da imprensa municipal, regional e estadual mostrou a importância dada a atos como este.

Deve-se, entretanto, olhar com um pouco mais de atenção a real finalidade da manifestação. Em comunicado não assinado distribuído durante a passeata, a idéia de que o poder municipal lava as mãos fica clara. Em dado momento lê-se: “A administração Municipal com amplo apoio do empresariado local, já esgotou a sua capacidade de resolver este problema, de responsabilidade do estado, com seus recursos próprios” (grifos meus). Como “esgotou a sua capacidade?” É um atestado de ineficiência?

A manifestação seria uma oportunidade ímpar para os políticos presentes (e já que estavam lá) mostrarem a sua vontade de inverter esta situação. Um mea culpa já seria um começo. O que se ouviu durante todo o ato foi a necessidade urgente do aumento do efetivo policial militar (de 64 para 120), como se isso fosse a solução para todos os problemas. Lugares onde a violência reinava absoluta e que conseguiram resolver ou amenizar isso, só foram capazes disso quando ações sociais locais entraram em funcionamento, casos de São Carlos (SP), Jardim Ângela em São Paulo (SP) e muitos outros (para ver mais exemplos é só dar uma passada rápida pelo site www.aprendiz.uol.com.br). Como escreveu Gilberto Dimenstein em um dos artigos “ (...) o sucesso está na gestão liderada do âmbito local, centrada na prefeitura. Se os prefeitos não assumirem seu papel na produção de capital social, nunca teremos "vacinas", teremos apenas venenos.”

Bem, estou no último ano de enfermagem e não sei muito sobre a vida. Por coincidência, tenho aulas de administração. Aprendi que quando um gestor admite a sua incapacidade para resolver um problema é porque a coisa não anda muito bem.

Gilmar